Especialistas enumeram locais com piores odores em Salvador

Nos cartões-postais, Salvador deve cheirar a acarajé. Talvez os que acessam os sites de turismo imaginem o aroma do mar ou sintam o odor dos temperos nas feiras livres. Mas, quem circula diariamente por aí experimenta muito mais do que as fragrâncias que parecem marcar essa cidade. Além de dendê, maresia e coentro, Salvador hoje cheira a urina, lixo e esgoto.

Diante das ciladas olfativas que o cidadão enfrenta, o CORREIO empreendeu uma jornada por locais com cheiros negativamente marcantes. Afinal de contas, de onde vem tantos fedores? Para ajudar no desafio, contamos com a farmacêutica especialista em fragrâncias, Ana Maria Lenz, da empresa de cosméticos VIC Brasil, e com a análise técnica do químico especialista em poluição, Roberto Márcio Santos, que coordena cursos da Faculdade Área 1.

Comecemos pelo pior. O cheiro mais desagradável experimentado pela especialista foi o da Estação da Lapa, que exala urina no subsolo. Não foi necessário apurar muito para chegar à conclusão que o lugar é “totalmente deprimente”.

“Aqui é sujo. Um cheiro de urina muito forte, muito monóxido de carbono dos ônibus. Um absurdo”, descreveu a farmacêutica gaúcha radicada em Lauro de Freitas e que jamais havia colocado os pés no maior terminal da cidade.

Para os usuários, o sentimento não é muito diferente. “É um filme de terror. Olhe ao seu redor”, convidou a aposentada Tereza Cardoso, chamando a atenção para o lixo no chão e o xixi dos próprios passageiros.

O químico Roberto Márcio aponta que o cheiro forte da urina vem principalmente da amônia, quando o xixi fica exposto ao ar. A limpeza da estação é de responsabilidade da Transalvador. O órgão informou que o número de funcionários foi reduzido por “questões contratuais”.

Assim como na Lapa, pegar um ônibus na Estação de Transbordo do Iguatemi é padecer no inferno de odores ruins. Primeiro porque, abaixo dela, passa um enorme canal de esgoto. Depois, há muita urina. Com a falta de banheiros, usuários aliviam na própria estação, particularmente em uma escada que dá para o canal. A situação revolta quem trabalha ali.

“Todo mundo mija na escada porque os funcionários da limpeza não estão recebendo salários e cobram para usar o banheiro”, diz a ambulante Elza de Jesus.

Mudando de fragrância, experimente passar pelo canal do Lucaia, na Chapada do Rio Vermelho. O fedor ali é de esgoto concentrado. “Cheiro muito ativo, de fossa”, diz Ana Maria. É tão denso que poderia até ser o que os especialistas chamam de “eau de parfum”, só que às avessas. As fragrâncias eau de parfum duram mais que as outros pela essência mais concentrada.

Decomposição
O cheiro nesse tipo de situação, diz Roberto Márcio, tem componentes que vêm do enxofre e do nitrogênio. São os chamados “compostos reduzidos”, que surgem da decomposição. Uma das substâncias mais malcheirosas e conhecidas é o ácido sulfídrico.

Sobre o Lucaia, a Superintendência de Conservação e Obras Públicas do Salvador (Sucop) informou que está dando sequência aos trabalhos de macrodrenagem  da Vasco da Gama, “com a limpeza e requalificação de 800 metros no leito do canal até o Largo da Mariquita”.





Lembra do ácido sulfídrico? Não é só no Lucaia que se sente sua presença. Na orla, num dos recantos do Jardim de Alá, apelidado de “Cocô Beach”, ele também se faz presente. Ali, restos de lixo na areia e um cheiro forte de esgoto, vindo do canal do Parque Costa Azul, dão o ar da graça para quem passa a pé, de carro ou pratica esportes ao ar livre. O que gera o mau cheiro são principalmente os dejetos humanos, ou seja: as fezes.

“Aquilo ali é um rio que sai no Jardim de Alah, que virou condutor de dejetos humanos”, explica Roberto Márcio. Segundo a Sucop, os canais da cidade têm ligações irregulares de esgoto, caso do Cocô Beach. Em nota, o órgão afirma que “trabalha ininterruptamente na limpeza de rios e canais da cidade”.

Miscelânea
Enquanto nas estações de ônibus e canais de esgoto é fácil distinguir o cheiro predominante, na Feira de São Joaquim se torna mais complicado. Os odores são difíceis de caracterizar. Na parte interna, é uma miscelânea de cheiros: flores, verduras, água de cheiro, ervas, carne, gordura, creolina. Já na parte de fora, a sensação desagradável que alguns usuários sentem vem do acúmulo de lixo e de alimentos jogados fora.

“Nas feiras, como você tem muito resto de frutas e legumes, há uma mistura de substâncias derivadas do nitrogênio e do enxofre muito malcheirosas. Ainda tem o chorume, outra miscelânea de substâncias”, acrescenta Roberto Márcio.
A Limpurb informou que a coleta do lixo na feira é realizada diariamente. Para os que frequentam São Joaquim, como o casal Maria El Sale e Átila Cruz, o cheiro que predomina é o ruim e não o bom.

“Quando você vem de algum lugar e vai se aproximando da feira, você já sente aquele cheiro desagradável”, diz Maria Helena, que é dona de casa. Átila completa: “É um fedor indescritível”. Ambos esperam que as coisas melhorem com a reforma da feira. Mas, basta atravessar duas ruas e logo se percebe outro cheiro forte exalando. É o Mercado do Peixe, com odor proveniente dos restos de frutos do mar descartados.

Acrescenta-se à lista de pontos malcheirosos outros tantos lugares. Da tradicional Rampa do Mercado, onde há cheiro de esgoto e peixe podre, ao muro da Codeba, no Comércio, dos locais onde mais se urina ao ar livre. Mas no que diz respeito à sua saúde, não precisa se preocupar. Em geral, os fedores de lixo e esgoto não são prejudiciais.

Redenção para os narizes: Pelô, tarde na Barra e São Joaquim
No Pelourinho, a especialista em fragrâncias Ana Maria Lenz detectou uma diversidade de cheiros. “Apesar do cheiro de urina nas esquinas, senti um cheiro bom de acarajé no Terreiro de Jesus. Além disso, o amadeirado do casario antigo é muito gostoso”.

Outra redenção para os narizes é o fim de tarde e início de noite no Porto da Barra. Dois banheiros químicos estão instalados no calçadão para evitar que a rua vire “mijódromo”, já que a reclamação era constante. “Cheiro de acarajé, de praia, cheiro verde. Um pouco de xixi nos cantos”, diz Ana Maria, sem deixar o detalhe passar. O cheiro de mar, nas fragrâncias, é chamada de “nota ozônica”, diz ela, que também identificou o cheirinho bom do mar no Morro do Cristo, entre a Barra e a Ondina. Até na Feira de São Joaquim, foi possível aliviar o olfato com o cheiros das ervas e das frutas.

Fonte: Correio da Bahia





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