Folião de 73 anos garante fantasia de Gandhy no primeiro dia de entrega em Salvador

Turbante, mortalha, sandália, muitos colares nas cores azul e branco e o inconfundível cheiro de alfazema são marcas registradas do tradicional bloco Afoxé Filhos de Gandhy, que há 64 anos toma o circuito Osmar (Campo Grande-Avenida) no carnaval de Salvador. Os foliões são considerados um “tapete branco”, que leva a mensagem de paz. Hoje, o bloco também traz a imagem de curtição com a tradicional troca de colares por beijo das foliãs. No Gandhy, só desfilam homens.

O aposentado Duda Ferraz, que completará 74 anos no dia 9 de fevereiro, durante o carnaval, diz já ter perdido as contas de quantas vezes já saiu nos Filhos de Gandhy. Ele afirma que a primeira vez que viu o desfile foi pela televisão e se apaixonou pela magia do “tapete branco” que tomava o circuito do carnaval. “[O desfile] é para marcar a vida da gente indelevelmente. Seguramente, saio desde a década de 90, desde quando me aposentei. Tô feliz da vida, não tem lugar melhor do que aqui [Salvador]. Agora é reforçar a sandália, fazer o turbante e cair na gandaia”, brincou.

Duda Ferraz afirma que além de ter sido tomado pela magia dos Filhos de Gandhy, ver Gilberto Gil e Caetano em anos anteriores em cima do trio do bloco o impulsionou a conhecer o afoxé. “Gandhy é coisa de outro mundo”, disse. O aposentado também comentou a fama do bloco com as mulheres e diz não dispensar a paquera durante a folia. “O colar nós trocamos por beijo, as mulheres catam a gente”, relata.

A Reportagem esteve na sede de entrega das fantasias na cidade de Salvador para o desfile de 2013, iniciada nesta terça-feira (5), na Cidade Baixa. Os primeiros a pegar os adereços foram os que também se anteciparam nas compras porque a entrega é feita nessa ordem. A entrega vai até o domingo (10). No local, os associados pegam um kit com uma toalha, que é usada para fazer o turbante, um lençol, que é posto sobre o corpo como mortalha, faixas, sandália, um frasco customizado de alfazema, um lenço, um par de meias e uma sacola. Cada associado que desfila no bloco paga entre R$ 320 a R$ 380 pela fantasia dos Filhos de Gandhy.

O bloco sai no domingo e terça de carnaval do Pelourinho ao Campo Grande, e na segunda-feira no circuito Dodô (Barra-Ondina). Segundo a organização do bloco, cerca de nove mil pessoas formam o “tapete branco da paz” nos três dias. O bloco tem aproximadamente 20 mil associados.

Adereços
Além do kit, para deixar a fantasia completa, os Filhos de Gandhy precisam fazer o turbante com o broche azul, reforçar a sandália para a caminhada de quase 8 km, e usar os tão cobiçados colares de contas. Tudo isso fica por conta do folião mesmo. Na saída do local de entrega de fantasias, artesãos aproveitam a oportunidade para ganhar um dinheiro extra e garantir o complemento da roupa para os Filhos de Gandhy.

O ajudante de pedreiro Luis Henrique França, 28 anos, sai desde os 18 anos no bloco afoxé. Ele pegou a fantasia dele nesta terça-feira e assim que deixou o local, providenciou o reforço da sandália e a confecção do turbante. “Saio há dez anos. Meus tios já saíam e me levaram. A primeira vez que fui não quis mais parar, já é tradição de família. Para mim é muita alegria, é o bloco da paz”, disse.

Henrique não disfarça que além da tradição, o bloco também o atrai pelo sucesso com as mulheres. Quando questionado o que foi marcante nesses dez anos de desfile com os Filhos de Gandhy, ele é rápido em responder: “As meninas que peguei [beijou]. Uma vez fiquei com 35 em um dia só. Cada colar era um beijo, quando fui olhar não tinha mais nenhum”, afirmou.





Para 2013, ele garante que já comprou 60 colares. Enquanto conversava com a reportagem,  o ajudante de pedreiro também estave atento às mãos da artesã Sônia de Jesus, 59 anos, que trabalha com isso há 38 carnavais. Ela fez o turbante que Henrique usará nos Filhos de Gandhy em cerca de 15 minutos. Ele foi o primeiro cliente dela nesta temporada. “Só pode [ser feito] na cabeça mesmo, para ajustar. Aprendi olhando o pessoal fazer, todos os anos fico aqui e depois vou para o Pelourinho”, disse a artesã que ganha R$ 15 por cada turbante feito.

O pintor Luiz Ricardo dos Santos, 32 anos, aproveita o período de carnaval para trabalhar como sapateiro e reforçar as sandálias dos Filhos de Gandhy. Nesta terça-feira, ele estava com a irmã, Naira, e os sobrinhos Isaac e Isaías, na frente do local de entrega das fantasias já arrecadando um dinheiro extra para brincar a folia.

“Trabalho com isso há 12 anos, junto com a família para reforçar a renda. Fico aqui até sábado e depois vou para o Pelourinho, trabalhar lá. Brinco o carnaval também no Filhos de Gandhy há muito tempo”, afirma o saparteiro, que cobra entre R$ 5 e R$ 7 para reforçar as sandálias.

Na rua em frente ao Clube dos Oficiais da PM, onde os associados do bloco pegam as fantasias, foi montado um pequeno comércio de artesãos para garantir os adereços aos foliões que formam o “tapete branco”. Os broches para colocar no turbante custam R$ 7. E as contas, que são diversas, vão de R$ 2 a R$ 250, a depender do material usado na confecção.

Este é o segundo ano em que o estudante Murilo Gomes, 18 anos, vai desfilar com os Filhos de Gandhy no carnaval de Salvador. Ele vai sair com um grupo de amigos, como fez em 2012, e também já está com a fantasia em mãos, agora para providenciar os adereços e ajustes. “É um bloco que gosto por causa da cultura e porque as meninas gostam também [risos]. Eu pergunto se elas [mulheres] querem o colar, mas às vezes não precisa falar nada”, complementa o estudante sobre a troca de colares por beijos.

Tradição
O Afoxé Filhos de Gandhy foi criado em 18 de fevereiro de 1949 por estivadores do porto de Salvador, que resolveram colocar um novo bloco na rua por conta da impossibilidade do “Comendo no Coentro” desfilar, devido à crise do pós-guerra.

O nome foi sugerido por um dos criadores da entidade, Duraval Marques da Silva, mais conhecido como Vavá Madeira, que se inspirou no líder hindu Mahatma Gandhi, morto um ano antes do surgimento do Afoxé Filhos de Gandhy.

Em 1974 e 1975, o bloco enfrentou problemas administrativos e não desfilou. Desde 1983, a entidade tem sede na Associação Cultural, Recreativa e Carnavalesca Filhos de gandhy, no Pelourinho.

As cores azul e branco nas roupas e nos adereços são para reverenciar os orixás Oxalá e Ogum.

Segundo Luis Henrique, 72 anos, membro dos Filhos de Gandhy há mais de 30 e atualmente coordenador da entrega de fantasias, o bloco afoxé segue um ritual antes de começar o desfile. “É o Padé, uma oferenda a Exu, orixá que nos guia em momentos difíceis, habita as encruzilhadas, local de dúvidas, ele nos ajuda. Antes de entrar na passarela [no campo Grande] o Gandhy saúda Oxalá, soltando as pombas brancas e jogando milho branco e pipoca”, explica.

O filho de Gandhy Luis Henrique afirma ainda que a tradição de passar alfazema nas pessoas também é um ritual ligado ao candomblé. Ele comentou ainda sobre o título dado ao bloco de “tapete branco da paz”.

“Saímos distribuindo porque ela dentro do candomblé é algo purificador. O título que o Gandhy faz jus a esse título. É algo que nos dá orgulho, por ter essa filosofia da paz, de exercer a paz por onde passa”, afirma.

Sobre a tradição dos associados que saem no bloco trocarem colares por beijos, Luis Henrique explica que essa é uma prática nova dentro do bloco, mas não define há quanto tempo se iniciou. “Isso é novo dentro do Gandhy, é coisa dos jovens. Não podemos fazer nada, não condenamos, nem podemos acabar”, concluiu.

Fonte: G1





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